No dia 20 de julho de 1934 na progressiva cidade de Juazeiro do Norte morre Pe. Cícero Romão Batista. Sua práxis religiosa ultrapassou as fronteiras geográficas do cariri. Em todo o país seu nome é citado, em algumas circunstâncias de maneira controvertida, em outras, cultuada e de forma especial mitificado em toda região do Nordeste brasileiro.
Quem conhece, não fica indiferente ao “fenômeno de Juazeiro” do Norte. Meu “padim” assim cognominado devotamente pelos seus romeiros era sempre reverenciado e acorrido, sobretudo nos períodos de agruras do sertão nordestino, marcado por secas prolongadas, estes devotos viam em seus conselhos soluções evidentes para atenuar a pobreza que rondava o chão seco do nordeste. “Pe. Cícero já estava há apenas cinco anos no Joaseiro quando sobreveio a terrível seca de 1877-1880 que devastou o Ceará e o Nordeste do semi-árido. [sic] A grande seca [sic] foi marcante na vida do Pe. Cícero, como padre de um povoado que chegou quase ser dizimado.”(BEOZZO. 2004).
Ao ser enviado para aquele vilarejo com o propósito de evangelizar. O recém ordenado Padre Cícero jamais imaginaria que seria o protagonista de mudanças significativas na história do cariri e que sua figura fosse transformada em paradigma de santidade e principalmente líder político e religioso da história cearense. O que realmente consta nos anais da história cearense, sobre a prática caritativa do padre Cícero é seu acolhimento a todo e qualquer retirante que marcado pelo sofrimento do clima semi-árido, vinha a juazeiro em busca de socorro para a situação cruenta a qual passava sua família e toda a gente local. Dessa forma o jornalista Xico Sá descreve “Levas e levas de miseráveis corriam para o Juazeiro, arrastados pela fé e pelo assistencialismo religioso do sacerdote.”
Nestas circunstâncias, este presbítero tinha uma sabedoria incomum – encaminhava muita gente parar terras férteis do sertão, para viver da agricultura e de outros meios de subsistência. Ele era conhecedor da geografia da região do cariri e tendo um carisma inconteste, conseguia atrair até Juazeiro a demanda de gente não somente pobre, mas também a admiração de muitos célebres senhores de terras que atentos a petição do devotado presbítero davam guarida em troca de trabalhos agrícolas para muitos retirantes que vinham de outros “rincões” do nordeste, fugindo da seca. Ele sabia que muitas localidades do cariri eram férteis e por intermédio de uma quadra invernosa abundante daria para agregar a casta sertaneja que disposta ao trabalho agrícola, proporcionava o desenvolvimento do vilarejo que sobre a figura eminente do Padre ganhava proporções urbanas.
Um exemplo, muito bem visto que comprova este fato é que o Padre Cícero, havia alugado o Sitio Baixa Dantas - o qual era liderado pelo "beato Zé Lourenço” - para que as pessoas dizimadas pela seca cruel que assolou sobretudo o sertão sul do Ceará pudessem encontrar amparo. Este lugar também servia para assistencializar uma massa muito grande de pessoas advindas de todo o Nordeste que passavam fome, sobremodo devido os efeitos causados pela escassez de chuvas.
Sendo assim, as levas de miseráveis que compunham as vicissitudes do sertão nordestino, encontrava naquele lugar um refúgio - pois sendo este muito bem cuidado pelo beato, amigo do Padre Cícero e tendo estabelecido um modelo de trabalho comunal, tudo o que ali se produzia era de igual modo dividido entre todos. Vivendo todos mantidos por uma economia de subsistência e que qualquer pessoa que ali chegasse era enviada pelo padre a esta pequena comunidade que se tornara um “modelo de sociedade comunal” tendo como base o trabalho comunitário. “Cabia ao beato receber, naquele pedaço de terra arrendada, os desvalidos dos desvalidos, os molambudos, os mais “lascados”, como se diz na língua da região, os sem jeito. Olhos arregalados, um povo só olhos, cacimbas d’alma.”(Ib. Idem.).
Juazeiro cresceu vertiginosamente tendo como suporte a figura emblemática do Pe Cícero. E suplantou em estatísticas demográficas cidades tradicionais como Crato, Barbalha e Missão Velha. Era comum a procura de conselhos por parte dos chefes das famílias que viam naquele homem um “oráculo divino” que profetizava fatos que porventura a própria natureza seguia fielmente seus desígnios. Era compreendido ainda em sua vida terrena como um “ente divino” para todo e qualquer sertanejo.
As peregrinações para Juazeiro tiveram sua gênese com o padre ainda vivo e no exercício de seu polêmico ministério sacerdotal. Ele era um exímio conselheiro e de forma especial muito próximo dos sertanejos que viam nele uma solução imediata para os problemas tanto físicos quanto sociais. A cúpula eclesiástica ainda fincada suas raízes num sistema imperialista falido – não ultrapassava as fronteiras dos púlpitos eclesiais. Por isso, que com atitude diferenciada, muito próxima ao sofrimento desta gente, o padre de Juazeiro foi ganhando a confiança e devoção da massa popular – sobretudo a mais sofrida e consequentemente sendo divulgado como alguém que de tão raro nos meios eclesiásticos – se tornou divino.
É comum se ouvir histórias fruto da oralidade popular acerca dos feitos extraordinários do Padre Cícero. Muita gente de naturalidade carirense – principalmente os mais velhos que tiveram contato com algum parente ou mesmo que viram e ouviram as admoestações de meu “Padim” propagam seus prodígios com profunda continência subjetiva - pois sabem da significância religiosa que este presbítero tem para a vida da gente sertaneja.
O mais curioso é que Juazeiro do Norte cidade situada no sul do ceará se tornou sinônimo de santificação de almas, expiação de pecados e etc. Alguns teóricos afirmam que esta cidade erigida sobre as profecias do Pe Cícero é notoriamente a “nova Jerusalém”. Existe uma mística singular na “cidade santa” onde o Padre Cícero habitou e construiu igrejas e capelas. Quando ainda vivo foi sinônimo de patrimônio espiritual do povo simples – que movidos pela fé e agruras da vida buscavam o refrigério para as vicissitudes de vida cheias de privações.
Contudo, para a hierarquia eclesiástica ele era um transgressor das normas canônicas. Por isso, ele atraiu para si opositores de dentro da própria Igreja que munidos de alguns fatos supostamente milagrosos interpelaram até a Santa Sé para remeter-lhe a interdição de suas funções ministeriais. No caso do milagre da hóstia que quando tomada pelas mãos do próprio Padre Cícero, se tornou repentinamente e misteriosamente em sangue na boca da beata de nome Maria de Araújo, por ocasião da celebração preceitual de uma missa. Este fato foi o “estopim” para muitas represálias sobre a práxis ministerial do Padre Cícero.
Ele foi considerado pela Diocese do Ceará como embusteiro, utilitarista. Protagonista efetivo de supostos milagres para atrair a complacência do povo para si, por intermédio de uma fé ingênua e confrontá-lo com a Santa Madre Igreja.
“Pe. Antônio Alexandrino, como executor e ao mesmo tempo mentor da política episcopal para o Juazeiro, investido ademais da função de administrador da capela, é o responsável maior, junto a autoridade diocesana, pela imagem desfavorável do Pe. Cícero Escreve regularmente por quase dez anos seguidos, pelo menos a quase quinze dias, ao Prelado Diocesano, [sic]. A pretexto de qualquer assunto, teologia, pastoral, finanças, política, a imagem do Pe. Cícero é apresentada sob uma luz adversa. Custa ao padre Alexandrino reconhecer méritos, qualidades e principalmente virtudes no seu colega, submetidos a duras penas canônicas e contínuas calunias.” (BIOZZO. 2004, p. 38).
Mesmo com reservas declaradas da Igreja concernente ao controvertido acontecimento daquela celebração eucarística, a fé popular ao santo de Juazeiro proliferou em proporções consideráveis. Os interditos remetidos pela cúpula eclesial direcionadas ao Pe Cícero até contribuiu para a ramificação ainda mais efusiva de sua personalidade divina. Neste caso, as peregrinações a Juazeiro foram constantes. Gente de toda a parte do Nordeste deixava suas raízes e vinham com suas famílias, munidos da convicção de “fazer a vida” nas terras santas de Juazeiro. Sob a sombra do “Padim” ninguém tinha medo de enfrentar as agruras do cotidiano. Desta forma Biozzo faz a citação de uma carta destinada ao bispado do ceará remetida por Dom Joaquim que relata: “Antes de tudo, devo informar V. Excia. que a suspensão não produziu o efeito que V. Excia. esperava. Continuam as romarias em larga escala e o dinheiro que deixam no Juazeiro é incalculável. Os mesmos exagerados afirmam terem entrado naquele lugar dezenas de contos”.
Ele foi considerado pela Diocese do Ceará como embusteiro, utilitarista. Protagonista efetivo de supostos milagres para atrair a complacência do povo para si, por intermédio de uma fé ingênua e confrontá-lo com a Santa Madre Igreja.
“Pe. Antônio Alexandrino, como executor e ao mesmo tempo mentor da política episcopal para o Juazeiro, investido ademais da função de administrador da capela, é o responsável maior, junto a autoridade diocesana, pela imagem desfavorável do Pe. Cícero Escreve regularmente por quase dez anos seguidos, pelo menos a quase quinze dias, ao Prelado Diocesano, [sic]. A pretexto de qualquer assunto, teologia, pastoral, finanças, política, a imagem do Pe. Cícero é apresentada sob uma luz adversa. Custa ao padre Alexandrino reconhecer méritos, qualidades e principalmente virtudes no seu colega, submetidos a duras penas canônicas e contínuas calunias.” (BIOZZO. 2004, p. 38).
Mesmo com reservas declaradas da Igreja concernente ao controvertido acontecimento daquela celebração eucarística, a fé popular ao santo de Juazeiro proliferou em proporções consideráveis. Os interditos remetidos pela cúpula eclesial direcionadas ao Pe Cícero até contribuiu para a ramificação ainda mais efusiva de sua personalidade divina. Neste caso, as peregrinações a Juazeiro foram constantes. Gente de toda a parte do Nordeste deixava suas raízes e vinham com suas famílias, munidos da convicção de “fazer a vida” nas terras santas de Juazeiro. Sob a sombra do “Padim” ninguém tinha medo de enfrentar as agruras do cotidiano. Desta forma Biozzo faz a citação de uma carta destinada ao bispado do ceará remetida por Dom Joaquim que relata: “Antes de tudo, devo informar V. Excia. que a suspensão não produziu o efeito que V. Excia. esperava. Continuam as romarias em larga escala e o dinheiro que deixam no Juazeiro é incalculável. Os mesmos exagerados afirmam terem entrado naquele lugar dezenas de contos”.
O povo difundia seus feitos e despertava assim, a curiosidade popular. Neste parâmetro ele sempre era visitado por caravanas oriundas de outras localidades do Nordeste. E muitos presentes e donativos chegavam a sua casa e ele distribuía sempre com os mais carentes. Esta prática assistencialista e localizada fazia dele um “bem feitor” símbolo da caridade divina – sendo muitas vezes interpretado como enviado de Deus, alguém que transcendia a conceitos puramente humanos.
Ele com sua dedicação ao povo sofrido gradativamente no imaginário popular constituira-se na figura iminente de um “mito”. Até mesmo no tempo em que Juazeiro esteve envolvido com uma guerra deflagrada contra o Coronel Franco Rabelo – camponeses e jagunços de todos os recantos do Ceará deixavam suas famílias para se alistar para defender as terras do Padre Cícero das maquinações diabólicas do sórdido coronel. Com a vitória concretizada o Padre Cícero se tornou inconteste na mente do povo sua ligação com o alto, pois segundo os seus devotos ninguém podia fazer frente ou suplantar ao poder divino. Prova disso estava na façanha considerada mais um milagre da vitória bélica dos beatos do “Padim” contra a “besta do apocalipse” como era denominado o Coronel Franco Rabelo.